Responsabilidade Financeira
Etimologicamente a palavra responsabilidade deriva do latim re-spondere ou seja, comprometer-se perante alguém (spondere), em retorno re. Na medida em que os termos compromisso e responsabilidade estão intrinsecamente ligados. Assim, genericamente a responsabilidade é o estado pelo qual alguém se encontra por força de um compromisso, de um contrato, fica sujeito a prestar contas ou seja a responder pelos seus actos por consequências intervenientes (Tavares, 2000 apud Escorrega, 2008:p.122).
Para António Sousa Franco, a Responsabilidade constitui um dever e uma sujeição daqueles que forem confiados dinheiros públicos ou valores quer liquidem quer cobrem receitas quer autorizem, confiram ou paguem despesas: são os contáveis que se configuram como seus sujeitos passivos e o Tribunal de Contas como o órgão julgador sendo o Estado titular dos fundos confiados objectos de prestação de contas. Em sentido restrito a responsabilidade Financeira refere-se à utilização de recursos financeiros do Estado latamente considerados. Trata-se de uma responsabilidade mais ampla que se emerge da infracção de leis financeiras, nesse caso a acção ou omissão culposa por parte dos concretos agentes, ou por outras palavras por infracções financeiras dos concretos agentes.
A responsabilidade financeira tem pressupostos, finalidades e consequências diversas de outras formas de responsabilidade. Trata-se também de uma responsabilidade pessoal e não orgânica. Nos termos do artigo 99 da lei 26/2009, a competência Material para a efectivação da responsabilidade Financeira pertence ao Tribunal Administrativo, na vertente de Contas, na sua falta por um tribunal comum, podendo ser requerido pelo Ministério Público no exercício de competência directamente prevista na lei.[1]
Cabe ao Tribunal Administrativo nos termos do art.º 228 da CRM, "o controlo da legalidade dos actos administrativos e da aplicação das normas regulamentares emitidas pela administração pública, bem como a fiscalização da legalidade das despesas públicas e a respectiva efectivação da responsabilidade por infracção financeira, compete ao Tribunal Administrativo julgar acções que tenham por objectivo litígios emergentes das relações jurídicas administrativas[2].
Tipos ou modalidades de Responsabilidade Financeira
Os tipos de responsabilidade financeira a efectivar pelo Tribunal Administrativo são:
Responsabilidade Financeira Reintegratória
Esta responsabilidade visa a reposição de valores ou bens. Trata-se de uma responsabilidade típica dos agentes e Funcionários do Estado que tenham praticado acções contábeis, por exemplo o alcance, desvios de fundos.
Responsabilidade Financeira Sancionatória
A responsabilidade financeira sancionatória não tem como objectivo a recuperação dos valores em prejuízo para o erário público, mas antes a aplicação de multas decorrentes da prática de determinadas infracções financeiras. Visa o estabelecimento de uma sanção ou de uma consequência desfavorável para o infractor da norma a determinar de acordo com o desvalor da acção. Esta sanção pode ser por estabelecimento de multas, nos termos do Tribunal Administrativo. Por outras palavras, tem essencialmente uma função punitiva.
Em qualquer dos casos a responsabilidade financeira pela reposição ou pagamento das multas recai sobre o agente ou agentes da acção e não sobre a instituição onde aqueles exercem as suas funções. Quer isto dizer que a responsabilidade financeira implica uma responsabilidade pessoal e não institucional.
Natureza da responsabilidade financeira
A fonte da responsabilidade financeira está na prática de uma infracção qualificada como infracção financeira, expressamente indicada na lei: nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e pagamentos indevidos; o comportamento há-de, assim, corresponder a um ilícito financeiro substancial ou processual.
Constituem infracções financeiras típicas nos termos do artigo número 2 do artigo 93 da lei 26/2009, o alcance, o desvio de dinheiros ou valores públicos e os pagamentos indevidos[3].
a) O alcance segundo Sousa Franco, ocorre quando houver demora na entrega de fundos a cargo do exactor, subtracção de valores, omissões de receitas ou qualquer falta no cofre erro de cálculo ou outras causas que não possam atribuir infidelidade ao gerente.
b) O desvio de dinheiros públicos verifica-se quando há respectiva perda, absoluta ou relativa por acto intencional do infractor.
c)Pagamento Indevido é qualquer pagamento efectuado contra lei ou regulamento
Infracções sujeitas à responsabilidade financeira sancionatória
De acordo com a lei 26/2009, as infracções financeiras previstas no número 3 do artigo 93 podem ainda ser:
* Não liquidação, cobrança ou entrega de receitas devidas nos cofres do Estado das receitas devidas
* Violação das normas sobre elaboração ou execução dos orçamentos bem como da assunção, autorização ou pagamentos de despesas públicas ou compromissos
* Falta de apresentação de contas nos prazos legais
* Adiantamento por conta de pagamentos não previstos na lei
* Utilização indevida de fundos movimentados por operações de tesouraria para financiar despesas
* Falta injustificada de prestação tempestiva de documentos que a lei obrigue a remeter
* Falta injustificada de prestação de informações pedidas, de remessa de documentos solicitados ou pela comparência para a prestação de declarações;
* Falta injustificada da colaboração devida ao Tribunal;
* Inobservância dos prazos legais de remessa ao Tribunal dos processos relativos a actos ou contratos que produzam efeitos antes do visto;
* Introdução nos processos que possam induzir o Tribunal em erro nas suas decisões ou relatórios.
* O extravio de processos ou documentos e sonegação ou deficiente prestação de informações ou documentos pedidos pelo tribunal competente ou exigidos por lei.
* A falta injustificada de comparência para a prestação de declarações ou de colaboração devida ao tribunal;
* A introdução nos processos de elementos que possam induzir o tribunal em erro nas suas decisões ou relatórios, ou que dificultem substancialmente ou de todo obstem o julgamento das contas;
Características da Responsabilidade Financeira
Nos termos do art.º 101 da lei 26/2009, pode-se constatar que a responsabilidade financeira:
· Pressupõe a existência de mera culpa e é independentemente do dano efectivamente causado. Nesse caso a aplicação da sanção ou pena, qualquer que seja a sua natureza pressupõe dolo ou negligência;
· É pessoal e incide sobre o agente ou os agentes da acção ou seja esta responsabilidade incide sobre certos agentes, os chamados agentes contáveis, gestores de bens, dinheiros e valores públicos. É decorrente da actividade de gestão de bens, valores e dinheiros públicos. Recai sobre a pessoa física a quem o facto ilícito é subjectivamente imputável.
· Segundo Sousa Franco os agentes respondem solidariamente quando por culpa ou dolo para tal hajam ocorrido cabendo ao Tribunal Administrativo avaliar o grau de culpa segundo as circunstâncias do caso, as funções dos referidos gestores financeiros.
O processo de efectivação da responsabilidade financeira sancionatória
A efectivação da responsabilidade financeira tem lugar perante os processos de julgamento de contas e de responsabilidades financeiras nos termos seguintes:
O processo de julgamento de contas com vista a tornar efectiva as responsabilidades financeiras de que se dê contas no âmbito das acções de verificação externa de contas.
De acordo com António Sousa Franco, os actos de prestação de contas são objecto de um julgamento pelo Tribunal em Processos de responsabilidade nos quais se pode efectivar as respectivas responsabilidades condenando ou dando quitação aos gerentes e contáveis.
A efectivação material é feita por sentença condenatória o Tribunal Administrativo condena os responsáveis quando se verificam qualquer um daqueles factos geradores ou situações sujeitas à responsabilidade financeira.
Formas de extinção da responsabilidade financeira sancionatória
Nos termos do número 2 do art.º 111 da lei 26/2009, o procedimento por responsabilidade financeira sancionatória extingue-se das seguintes formas a saber:
· Pelo pagamento do montante em dívida
· Pela morte do responsável
· Pela amnistia
· Pela prescrição
· Pela relevação ou pela redução no que respeita às multas consoante o grau de culpa e o prejuízo efectivo pelo Estado.
[1] O Tribunal Administrativo rege-se hoje no essencial pela Lei 26/2009 que aprova o regime relativo à organização, funcionamento e processo da 3ª secçao do Tribunal Administrativo.
[2] O Tribunal Administrativo integra nas suas competências o exercício de poderes jurisdicionais de efectivação de responsabilidades financeiras.
[3] A responsabilidade financeira, qualificada na Lei nº 26/2009, como reintegratória e sancionatória, constitui a forma de responsabilidade específica dos «contáveis», isto é, dos agentes sujeitos à jurisdição do Tribunal Administrativo directamente definidos na lei.