CAPÍTULO I: DAS ALTERAÇÕES CONSTITUCIONAIS E OS
LIMITES MATERIAIS: GENERALIDADES
1.1.A Revisão Constitucional
De
todas as vicissitudes constitucionais segundo GOUVEIA a que merece maior
atenção seria a revisão constitucional, consubstancia na elaboração de uma lei
de revisão.
Para
GOUVEIA (2015:656)
"A
revisão constitucional, através do correspondente poder de revisão, traduz-se
na responsabilidade da alteração da Ordem Constitucional originariamente
estabelecida, mas apresenta um cunho secundário porque de limitado âmbito, quer
em função das opções fundamentais que caracterizam o projecto de Direito que se
tem em mãos, quer em função do estrito procedimento legislativo que para a
respectiva produção se encontra estabelecido".
A
revisão constitucional pode ter efeitos
·
Revogatório
quando o preceito constitucional cessa a vigência;
·
Modificatório
quando
preceito constitucional existente apresenta uma nova formulação normativa;
·
Inovatório
quando há um novo preceito constitucional que se acrescenta e;
·
Suspensivo
quando deixa o preceito constitucional de vigorar por certo tempo.
1.2. Os
limites materiais a revisão constitucional
A
luz da CRM os limites materiais significam que não admitem uma revisão
ilimitada ou para por serem consideradas como fazendo parte da essência do
Direito Constitucional moçambicano em vigor, e estes limites estão
estabelecidos no art.º. 300 da CRM com um conjunto de doze matérias.
Segundo
BACELAR GOUVEIA (2015) em termos procedimentais, a alteração destes limites
coenvolvem, a realização obrigatória e prévia, de um referendo constitucional
de natureza vinculativa.
De
acordo com este mesmo autor a doutrina discute, este propósito, a existência de
limites de revisão constitucional de natureza implícita, os quais não constam
desta lista, bem como a eficácia meramente declarativa ou constitutiva destes
limites.
Ao
se abordar os limites materiais revisão da constituição BACELAR GOUVEIA (2015: 659)
aponta dois problemas
·
Força vinculativa das cláusulas em
comparação com outras cláusulas previstas na constituição e
·
A definição dos limites materiais
inseridos nas cláusulas no sentido de estas medidas oferecer intensidades de
forma a saber o que se considera verdadeiramente um limite material, na
perspectiva da violação daquela cláusula.
Quanto
ao primeiro ponto se discute a forca jurídica dos preceitos constitucionais no
caso as que estabelecem limites a revisão. Na opinião de BACELAR GOUVEIA
(2015:660) são propostas três posições:
·
A teoria
da irrevisibilidade segundo a qual as cláusulas de revisão criadas pelo
poder constituinte originário, só podem ser modificadas ou eliminadas com
manifestação do mesmo poder constituinte, e nunca numa lei de revisão
constitucional.
·
Teoria
da revisibilidade: nesta teoria as cláusulas sobre revisão
não possuem qualquer força em relação as restantes preceitos constitucionais.
Estabelece simplesmente que os limites materiais podem ser revistos;
·
Teoria
da dupla revisibilidade ou revisibilidade faseada,
nesta, a modificação das matérias protegidas pelas clausulas de revisão deve
acontecer em dois tempos, primeiro eliminando-se a clausula que protege a
matéria que se quer atingir e só depois, numa outra revisão constitucional,
elimina-se directamente o instituto ou o principio que deixou de estar
constitucionalmente protegido pela clausula revogada.
Defende
GOUVEIA a teoria irrevisibilista tendo como fundamento o respeito pela vontade
originária do poder constituinte, isto porque o poder constituinte constrói um
conjunto de disposições para perdurar mas do que outros preceitos, e venha o
poder de revisão pelo poder constituinte criado e admitido, a alterar a vontade
inicial. Esta posição vem co drásticas consequências isto é uma excessiva
rigidez do sistema constitucional, ou mesmo de deslegitimação, porem para as
gerações vindouras haverá possibilidade de alterarem a ordem constitucional,
pelo que a mecanismo da revisão é sinal evidente, que se pretende abrir a porta
ao melhoramento do sistema constitucional, acompanhado a evolução da realidade.
O problema seria não só se querer uma revisão mas algo como a mudança radical
da Ordem Constitucional, dai que não se consideraria uma revisão mas uma
revolução constitucional. Interessa neste momento observar diversas situações
em que ocorre a violação dessa mesma cláusula, para dai se perceber as
respectivas consequências, no seio do outro problema ora enunciado. Há que
notar que nem sempre os textos constitucionais fazem uma aplicação correcta do
conceito limites materiais de revisão, dando esse nome a matérias que pode não
ter possibilidade de coincidirem com a sua elevada importância na economia do
texto constitucional.
Portanto
[1]o que sucede quando certas
matérias foram consideradas como limites materiais de revisão constitucional e
em rigor não se ajuntam a esse conceito tendo o poder constituinte feito, nesse
aspecto, uma qualificação errada, isto é, o que sucede quando as clausulas de
limites materiais de revisão constitucional não são respeitadas porque
excessiva?
Para
GOUVEIA a resposta deve ser dada conforme essas matérias se encontram ou não
protegidas por cláusulas, podendo dividir-se em dois casos onde observa-se a
inexistência, total ou parcial destas cláusulas:
a)
Situação
da inexistência de cláusulas materiais
Nesta
situação se a matéria não for de grande importância, ocorre uma normal revisão
constitucional, por outro lado se a matéria tiver uma importância nuclear ou
fundamental, ainda que ocorra a revisão constitucional em sentido formal, na
realidade sucede uma transição constitucional, pois há uma alteração da
identidade da constituição dai que, considerar-se-ia como o surgimento de uma
nova ordem constitucional.
b)
Havendo
cláusulas de limites materiais
Se
a matéria não tiver importância nuclear, isto é, considerar-se erroneamente
referenciada a um assunto que não assume aquela importância, ocorre uma ruptura
contudo não revolucionária, pois não foi afectada aqui a identidade
constitucional, em outras circunstâncias se a matéria for de tamanha
importância, estaremos diante de uma revolução constitucional, por se afectar a
identidade da constituição, ao mesmo tempo quebra a constitucionalidade formal
das alterações admissíveis.
O
prof. BACELAR GOUVEIA (2015:663) destaca uma situação que deve ser separada de
todas outras: “a da alteração linguística
mas não normativa dos preceitos que estabelecem as cláusulas de revisão
constitucional”.
A
imodificabilidade é no sentido ordenador, nesta ordem de ideia as alterações
meramente linguistas, se desprovidas de sentido ordenador, não se incidirão
sobre a validade da revisão constitucional.
1.3.Hiper-regidez da
Constituição da República de Moçambique
A
opção fundamental tomada pelo legislador constituinte moçambicano foi a de
consagrar diversos limites à segregação do poder constitucional:
·
Limites
orgânicos segundo a qual a revisão fica exclusivamente a cargo
da Assembleia da República;
·
Limites
procedimentais que estabelecem que a alteração ao texto
constitucional devem ser aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados em
efectividade de funções, não podendo ser recusada por parte do Presidente da
Republica.
·
Limites
temporais segundo a qual a revisão ordinária da Constituição so
pode ser feita de cinco em cinco anos, admitindo porem a possibilidade de uma
revisão extraordinária, desde que o órgão competente assuma poderes
constitucionais por votação por pelo menos ¾ dos deputados em efectividade de
funções;
·
Limites
materiais neste ponto há um conjunto de matérias que não podem
ser objecto de revisão constitucional;
·
Limites
circunstanciais segundo a qual a vigência dos estados de
sítio e de emergência impedem a aprovação de qualquer alteração da Constituição;
CAPÍTULO II: ABORDAGEM DOUTRINAL DOS LIMITES
MATERIAIS
2.1.Os Limites materiais de
revisão constitucional
O
prof. GOMES CANOTILHO (1941:1064) classifica os limites materiais em três tipos:
·
Limites superiores e inferiores
·
Limites expressos e tácitos e
·
Limites relativos e absolutos
2.1.1.
Limites Superiores e Inferiores
Neste
ponto para CANOTILHO estamos diante da questão de saber se uma lei de revisão
poderá inserir na constituição qualquer matéria e se poderão ser objecto de
revisão todas normas da Constituição.
Relativamente
a primeira questão estamos diante dos limites inferiores. Assinalou-se a inexistência
de reservas de matéria constitucional, obrigatoriamente plasmada sob forma
constitucional pelo legislador constituinte. Portanto a inexistência de uma
reserva de matéria constitucional valerá também em sede poder de revisão.
Quanto
a segunda questão refere-se aos limites superiores, neste sentido existem sim
limites ao poder de revisão pois algumas normas da constituição não podem ser
objecto de revisão. A determinação das normas constitucionais por constituírem
o cerne da constituição não pode ser objecto de revisão.
2.1.2.
Limites Expressos E Limites Tácitos
Limites
expressos ou textuais segundo CANOTILHO (1941:1064) “são os limites previstos
no próprio texto constitucional. As constituições seleccionam um leque de
matérias, consideradas como cerne material da ordem constitucional e furtam
essas matérias à disponibilidade do poder de revisão.” Temos como base para
esta ideia o art.º. 300 da CRM.
Por
outro lado alerta CANOTILHO que por vezes as constituições não contêm quaisquer
preceitos limitativos do poder de revisão. E estes podem desdobrar-se em
limites textuais implícitos que são incorporados no próprio texto
constitucional, e limites tácitos que emanam de uma ordem de valores
pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta.
O
problema levantado pelos limites materiais do poder de revisão segundo este
mesmo autor é se será defensível vincular gerações futuras a ideia de
legitimação e projectos políticos que, provavelmente já não serão os mesmos que
pautaram o legislador constituinte, por outras palavras uma geração de direito
de vincular outra?
A
resposta é não. Os limites são limites do poder como poder construído não são
limites para sempre, vinculativos a toda e qualquer manifestação do próprio
poder constituinte. Assegurar a continuidade da constituição num processo
histórico em permanente fluxo implica, necessariamente, a proibição não só de
uma revisão total desde qua admitido pela constituição mas também de alterações
aniquiladoras da identidade de uma ordem constitucional histórico-concretas.
No que se refere aos limites implícitos,
autores há que sentem uma insegurança e oscilação na enumeração e definição
destes, defendendo até a sua inexistência pois a não previsão dos limites
materiais transformariam a constituições em meras leis provisorias,
subordinadas a discricionariedade do poder constituinte. Para estes
doutrinários os limites expressos seriam autênticos limites de revisão. Contudo
não obstante o catálogo de disposições de intangibilidade constante do art. 300º
pode-se acrescentar imposições constitucionais de intangibilidade, não
expressamente formuladas, a
integridade do território.
2.1.3.
Limites Absolutos e Relativos
Consideram-se
limites absolutos segundo CANOTILHO (1941:1067)
Todos limites da
constituição que não podem ser separados pelo exercício do poder de revisão e
relativos quando se destinam a condicionar o exercício do poder de revisão, mas
impedir a modificabilidade das normas constitucionais, desde que cumpridas as
condições agravadas estabelecidas por seus limites.
Os
limites absolutos são contestados por alguns autores, com base na possibilidade
de o legislador de revisão poder ultrapassa-lo mediante dupla revisão.
2.2.A polémica doutrinal sobre
os limites materiais
Os
limites materiais têm sido uma questão que divide os constitucionalistas, as
três teses principais: i) a dos que
os tomam como imprescindíveis e insuperáveis ii) a daqueles que impugnam a sua legitimidade ou a sua eficácia
jurídica; iii) e a daqueles que
admitindo os tomam apenas como relativos susceptíveis de remoção através de
dupla revisão.
E
estas teses têm-se igualmente manifestação na doutrina portuguesa, quer á face
da constituição de 1911 quer á face de 1976. (JORGE MIRANDA, 1991:190)
Segundo
JORGE MIRANDA (1991) o entendimento da tese frase acima em referência é de que
tem origem do poder de reformulação e do princípio da identidade constituição material.
Apesar do poder de revisão estar previsto constitucionalmente ele, mesmo ao se
exercer não pode ferir esta mesma constituição. Portanto o preceituado poder de
revisão da Constituição não significa a substituição da constituição no seu
todo. Pode acontecer que o órgão de revisão trazer alguns conceitos de
adequação constitucional.
Papel
do órgão poder de revisão e de flexibilização constitucional sem função da
conjuntura mais sempre em defesa e no espírito constitucional, apesar de, na
revisão não se pode trazer alguma influência as mesmas não podem andar fora do
Estado constitucional. Atendendo e considerando o regime vigente a constituição
formal deve obediência ao material. A não superação dos limites de revisão
constitucional não pode parar o estado, deve se abrir espaço para mutações a
certo ordenamento constitucional;
A
Revisão constitucional considera-se a lógica e sistematização da Constituição
que intimamente responde a constituição material. Havendo caso em que se
observa o não reconhecimento do propósito do limite expresso como também o
limite tácito. Contrariamente pode haver espaço de não concordância entre os
dois poder constituinte e de revisão respectivamente; (JORGE MIRANDA, 1991:192)
O
poder constituinte não é superior ao poder constituinte do momento posterior
deve-se pelo contrario aplicar-se a regra geral da revogabilidade de normas
anteriores por subsequentes pois na percepção de MIRANDA (1991:193) não seria
concebível uma auto-limitação da vontade nacional, pois, como proclamou o artigo
28 da constituição francesa de 1793 um povo tem sempre direito de rever,
reformar e modificar a sua constituição e nenhuma geração pode sujeitar as
gerações futuras as suas leis.
As
cláusulas do poder material são possíveis, é legitimo ao poder constituinte
decretar e é forçoso que sejam cumpridas enquanto estiverem em vigor. Todavia
são normas constitucionais como quaisquer outras e são passíveis de revisão.
Segundo
MIRANDA (1991:195) a questão dos limites materiais fora discutida no domínio
português no âmbito da constituição de 1911.Assim havia quem defendesse que
desde momento em que o povo escolheu uma forma de governo como condição de
desenvolvimento da sua vida nacional, seria contraditório que escrevesse na
constituição a permissão de se propor a mudança desse forma politica. E por
outro lado havia quem aceitasse possibilidade de o poder constituinte limitar a
sua competência e dissesse que aquele preceito não constituía juridicamente a
possibilidade de se fazer uma revisão total da constituição. Esse contraste não
é muito diferente do que se suscita à volta do artigo 300 da CRM. Para maioria
a revisão está por definição, subordinada à constituição e as normas que a
regem funcionam como limites superiores não podendo ser afastadas pelos órgãos
competentes para a realizar.
CAPÍTULO III: LIMITES MATERIAIS E JUSTIÇA
CONSTITUCIONAL
3.1.Características dos limites
materiais de Revisão Constitucional no Sistema Jurídico - Constitucional
Moçambicano
Podemos encontrar no artigo 300 da CRM à
identificação de quatro tipos de limites que o caracterizam: limites
transcendentes[2],
limites imanentes[3],
limites de revisão de primeiro grau ou próprio[4]s e os limites impróprios
ou de segundo grau[5].
Na
Constituição da República, os limites transcendentes encontram-se na alínea d)
do nº 1 do artigo 300 respeitante aos direitos liberdades e garantias
fundamentais, e que segundo o Prof JORGE MIRANDA (2005:203) a partir do
reconhecimento de alguns direitos liberdades e garantias, obtém protecção a
dignidade da pessoa humana que é anterior e superior ao Estado. Tais limites
são: O direito à vida e o direito à integridade pessoal (nº 1 do art. 40º CRM);
O direito à liberdade e segurança (art. 59º); Não retroactividade da lei
criminal (art. 57º CRM); A intransmissibilidade de penas, (nº 2 do art. 61º); O
direito de constituir família, (art. 119 CRM); A liberdade de expressão (art.
48º CRM); A liberdade de consciência, de religião e de culto (art. 54º);
O
limite imanente respeitante à soberania é o previsto na primeira parte da
alínea d) do nº 1 do art. 300 CRM: a independência nacional; Também acha-se
previsto na segunda parte da mesma alínea, o limite imanente respeitante à
forma do Estado: Unidade do Estado.
Os
limites específicos de revisão de primeiro grau ou limites próprios são os
previstos na alínea b) no que tange à forma republicana do Governo; laicidade
do Estado (c) 1/300), direitos, liberdades e garantias fundamentais (alínea d);
Os
limites de segundo grau, podem ser determinados direitos, liberdades e
garantias, desde que não se encontrem nos limites materiais de primeiro grau.
O
prof. Gomes Canotilho apud JORGE
MIRANDA (1991:205) refere que, nos limites implícitos, a rigidez constitucional
funciona como limite material pois espelha directamente a arquitectura
constitucional. Do mesmo modo olha-se portanto a flexibilidade.
Sendo
os limites materiais dirigidos à Leis de revisão constitucional, são violáveis
por acção que se ocasionam pela contradição das leis com os principios a que
correspondem. Dificilmente pode-se observar a violação dos limites materiais
por omissão que corresponde à inércia ou passividade do legislador
constituinte.[6]
3.2.Revisibilidade das
cláusulas dos limites expressos
No
entender do prof. JORGE MIRANDA (1991:206), em termos lógicos os limites
materiais são necessários, o que significa que não podem ser suprimidos, de
forma a tolher que o poder de revisão crie uma constituição nova por intermédio
da reforma Constitucional.
Todavia
deve-se perceber que eliminar os princípios que informam a Constituição em
sentido material é diferente de suprimir ou alterar a norma do texto
constitucional que num dado momento impõe a observância dos limites materiais
no processo de alteração da Constituição.
Refere
o professor JORGE MIRANDA, de que se forem eliminadas as cláusulas de limites
do segundo grau, este acto consubstancia automaticamente o desaparecimento dos
respectivos limites, sendo que na revisão seguinte já não terão de ser
observados. Aqui falar-se-á em dupla revisão constitucional.
3.3.Preterição dos limites
materiais e inconstitucionalidade
Como
sucede com quaisquer normas jurídicas, podem ser preteridos os limites
materiais da revisão, ou princípios constitucionais que constituam limites
materiais da revisão e os preceitos que os explicitam (JORGE MIRANDA, 1991:211).
Entende
o prof. JORGE MIRANDA que podem ser preteridos segundo diversas hipóteses que
nos reconduzem a dois pólos: a inconstitucionalidade da lei de revisão ou à
cessação da sua vigência.
O
poder de Revisão Constitucional está sujeito ao poder Constituinte, o que quer
dizer que os actos de Revisão Constitucional podem ser considerados
inconstitucionais.
Acrescenta
ainda o autor que, qualquer Revisão Constitucional que atente contra os limites
materiais padecerá do vício de inconstitucionalidade, ficando sujeita à
apreciação do Tribunal Constitucional.[7]
Segundo
JORGE MIRANDA, a inconstitucionalidade da lei de revisão constitucional pode
ser material ou formal. Nesta óptica, é materialmente inconstitucional uma lei
de revisão que:
·
Aprove normas contrárias a princípios
constitucionais (por exemplo uma norma que determine discriminação em razão da
raça violando desta forma, o principio da igualdade previsto no artigo 35º da
CRM; Ou uma lei constitucional que viole princípios constitucionais elevados a
limite materiais expressos (por exemplo, uma lei revisão que imponha censura à
impressa, lesando assim, o conteúdo fundamental dos direitos, liberdades e
garantias do art.º 48 CRM).
Já
a inconstitucionalidade formal pode ocorrer quando:
·
Por exemplo a eliminação de um limite
material de segundo grau aprovada por maioria simples da Assembleia da
República.
·
Ou por exemplo a eliminação da
fiscalização da inconstitucionalidade por omissão por maioria simples.
De
acordo com o prof. JORGE MIRANDA (1991:213) havendo, além da preterição dos
limites materiais, pretensão de limites formais, as hipóteses tornam-se mais
carregadas. Desta forma:
·
A preterição dos limites materiais do
primeiro grau ou de limites do poder constituinte por uma forma
inconstitucional equivale a uma revolução;
·
A preterição de limites materiais do
segundo grau por forma inconstitucional equivale a uma ruptura em sentido estrito (por exemplo a eliminação da
fiscalização da inconstitucionalidade por omissão por maioria simples).
Segundo
este autor, designa-se fraude à
Constituição a preterição de limites materiais do primeiro grau, com
observância apenas externa das regras constitucionaisde competência e de forma
e substituição por outras para o futuro.
No
que toca à inconstitucionalidade de uma lei de revisão constitucional, importa
desde já referir que a não reacção por qualquer causa à inconstitucionalidade
material da revisão constitucional ou a não reacção em tempo útil conduz à
perda da efectividade da norma ou do princípio constitucional infringido.
Nesta
situação, o prof. JORGE MIRANDA (1991:214) abre duas hipóteses de preterição:
·
Ou o princípio corresponde a um limite
material de primeiro grau ou a um limite do poder constituinte originário,
dá-se a vicissitude da novação
constitucional que consiste no nascimento de uma nova constituição, sendo
portanto o exercício de um poder constituinte originário e não poder de
revisão.
·
Já na segunda hipótese em que o principio
corresponde a um limite material de segundo grau, o autor considera que pode
talvez falar-se ainda em revisão
constitucional.
3.4.Preterição dos limites
materiais e fiscalização da constitucionalidade e de revisão
Segundo
o prof. JORGE MIRANDA (1991:215) falar da fiscalização da constitucionalidade
da revisão constitucional, particularmente da constitucionalidade material, é
algo que não tem consenso na doutrina, pelo facto de se situar numa zona
cinzenta entre o jurídico e o político, entre o poder de revisão e o poder
constituinte originário.
Explicita
JORGE MIRANDA (1991:215) a existência de alguns doutrinadores que defendem que
não há inconstitucionalidade material da Lei de revisão, porque a revisão constitucional
e a Constituição encontram-se numa mesma posição hierárquica, isto é de
paridade, por isso não se pode questionar a conformidade ou desconformidade da
lei de revisão constitucional face a constituição.
Nas
palavras de JORGE MIRANDA (1991:215):
“Sem
razão, parece. Tudo está em compreender a função da revisão constitucional e a
subordinação da competência para a levar a cabo à Constituição: se ela implica
o preservar dos princípios vitais da Lei Fundamental, é óbvio que tem de ser
sempre ajuizada em face desses princípios, e não em face desta ou daquela norma
que intente modificar ou substituir”.
O
prof. JORGE MIRANDA (1991) não concorda com o argumento de que pelo facto de a Lei
de revisão estar no mesmo plano hierárquico com a Constituição, não pode ser
objecto de fiscalização pelo Conselho Constitucional, porque segundo ele de
outra forma também não haveria também ilegalidade da lei por violação por
exemplo de uma lei de categoria hierarquicamente superior;
Desta
forma, a inconstitucionalidade material de revisão é um fenómeno homólogo ao da
ilegalidade da lei. Entendendo que apesar de as normas serem da mesma categoria
ou do mesmo grau nada obsta que possa haver relações de constitucionalidade ou
de legalidade.
De
acordo com este autor, no Direito português nunca existiu nem existe
fiscalização preventiva da constitucionalidade da revisão constitucional. Em
contrapartida é a favor da fiscalização sucessiva a qual se dirige a todas e
quaisquer normas criadas por poderes constituídos.
Em
Moçambique, tal não se verifica[8]. Apesar do nº 1 do artigo
245 da CRM não se referir expressamente à lei de revisão constitucional, sucede
que o Presidente da República pode requerer ao Conselho Constitucional uma
apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer diploma que lhe tenha
sido enviado para a promulgação (..) o presidente apenas promulga as leis, entende-se
também as leis de revisão constitucional.[9]
CAPÍTULO IV: LIMITES MATERIAIS E O
CONSTITUCIONALISMO MOÇAMBICANO
A Revisão Constitucional, como mecanismo através do qual é alterado o texto da Lei Constitucional em benefício da sua adaptação histórica, é na essência o processo de conformação entre a Lei Constitucional e a Constituição vindo daí a identificação da vontade da maioria popular ao seu texto pela alteração do seu conteúdo.
Ao se abordar a evolução
dos limites de revisão no constitucionalismo Moçambicano, passa essencialmente
por falar das três referências constitucionais: a Constituição da República
Popular de Moçambique (1975), Constituição da República (1990) e a Constituição
da República de Moçambique de (2004).
A Constituição de 1975, na sua versão originária,
apresentava limites formais de revisão. A sua rigidez assentava na previsão de
que qualquer alteração a própria constituição teria de ser aprovada por um
mínimo de dois terços dos deputados da Assembleia Popular. Entretanto, não
apresentava limites expressos de revisão em matéria de conteúdo.[10]
Os limites nascem pela primeira vez com a revisão
que se opera em 1990. No que toca aos limites circunstanciais e formais, passa
a estar prescrito que a revisão da Constituição podia ser operada a todo o
tempo não havendo aqui qualquer limite temporal, contanto que as propostas
de alteração devessem ser depositadas na Assembleia da República noventa dias
antes do início dos debates.[11]
Apesar da Constituição de 1990 não apresentar uma
consagração expressa de limites materiais de revisão, estes podem, contudo, ser
apurados de forma implícita por recurso a uma interpretação sistemática das
suas normas, ao dizerem respeito a matérias dos direitos fundamentais dos
cidadãos e da organização dos poderes públicos. Neste caso as propostas de
revisão adoptadas pela Assembleia da República seriam submetidas a debate
público e levadas a referendo. Nos restantes casos, a alteração da Constituição
é aprovada por maioria qualificada de dois terços dos deputados da Assembleia
da República[12].
A Constituição de 2004 consolida o Estado de
direito democrático e consagra de forma expressa limites formais e materiais de
revisão. Pela primeira vez a Constituição de 2004 elegeu de forma expressa
limites materiais de revisão, as matérias que não podem ser objecto de revisão
constitucional. Com efeito, o artigo 292 da Constituição da República anterior
à alteração introduzida pela Lei nº 1/2018, dispunha que o dever que recai
sobre o poder constituinte de respeitar as matérias que se prendem com:
A
independência, a soberania e a unidade do Estado a); a forma republicana do
Estado b); A separação entre as confissões religiosas e o Estado c); Os
direitos, liberdades e garantias fundamentais d); O sufrágio universal,
directo, secreto, pessoal, igual e periódico na designação dos titulares
electivos dos órgãos de soberania das províncias e do poder local e); O
pluralismo de expressão e de organização política, incluindo partidos políticos
e o direito de oposição democrática f); A separação e interdependência dos
órgãos de soberania g); A fiscalização da constitucionalidade h); A
independência dos juízes i); A autonomia das autarquias locais j); Os direitos
dos trabalhadores e das associações sindicais k); As normas que regem a
nacionalidade, não podendo ser alteradas para restringir ou retirar direitos de
cidadania l);
Com a revisão constitucional introduzida pela
Lei nº 1/2018 de 12 de Junho, a alínea j) do artigo 300 da CRM passou ater uma outra redação, no sentido de
que esta cláusula, prende-se com a autonomia dos órgãos de governação
descentralizada provincial, distrital e das autarquias locais, o que consubstancia
uma alteração dos limites materiais. Ora, o número 2 do artigo refere que a
alteração dos limites materiais é sujeita a um referendo obrigatório e prévio.
Em momento algum na história de Moçambique ter-se-á falado do referendo, o que
pode suscitar uma inconstitucionalidade da Lei de revisão constitucional.
4.2. Análise
dos limites materiais na Constituição de 2004
O
catálogo dos limites materiais de revisão previstos no art.º. 300 pode ser
repartido de acordo com o seu objecto, em quatro que respeitam a garantia da
superioridade da própria constituição como lei fundamental e suprema da ordem
jurídica. Os que garantem os princípios caracterizadores da República e do
Estado (alínea a, b e c); os que salvaguardam os direitos fundamentais (alínea
d e), e k); os que protegem as bases da
organização do Estado e do poder político em geral (alínea f, g, h, i, e j) e o
que protege a nacionalidade, direitos de cidadania (alínea l)
a) O
respeito da independência, soberania e unidade do Estado:
este limite impede a integração do Estado Moçambicano em qualquer outro Estado.
Este limite material significa que o Estado Moçambicano não pode deixar de ser
unitário, ou seja, Moçambique não pode ser transformado num estado composto por
vários estados federados (Federação).
b) Forma republicana de Governo:
é uma cláusula que impede a restauração de qualquer forma monarca de governo, a
alteração do modo de designação do Presidente da República no sentido vitalício
ou hereditário, o estabelecimento de quaisquer privilégios de nascimento, a
atribuição ou reconhecimento de títulos de nobreza;
c) Princípio da separação entre Estado e
igrejas impede toda alteração no sentido de permitir ao Estado
qualquer intervenção na organização das igrejas ou qualquer discriminação
estadual entre igrejas, bem como qualquer intervenção das igrejas no Estado. Segundo
este limite, o Estado não deverá adoptar uma religião do Estado como sendo a
oficial, isto é, nunca foi um Estado confessional
d) Respeito pelos direitos, liberdades e
garantias constitucionais: nesta óptica,o dever que impende ao
poder de revisão de respeitar os direitos, liberdades e garantias não significa
que esta parte da Constituição não possa ser mudada e tenha de continuar
precisamente como está. O poder de revisão pode reformá-los. Não são os
preceitos constitucionais em si que são intangíveis, mas o sentido dos
princípios ou normas que os acolhem, não podem ser desvirtuados.
e) O sufrágio universal, directo, secreto,
periódico, para a designação dos titulares eletivos dos órgãos de soberania e
das autarquias locais: o poder de revisão constitucional deve
respeitar as quatro características do sufrágio para a designação dos órgãos.
g) Quanto a garantia da separação e
interdependência dos órgãos de soberania não se pode entender que
o sistema de governo seja intocável em sede de revisão, o que não pode fazer é
eliminar nem a separação nem a interdependência dos órgãos de soberania. Poderá
se alterar a relação entre os órgãos de soberania, desde que seja mantida a
separação e interdependência entre eles. O que este princípio impede a
alteração essencial do sistema de governo, implique a eliminação da separação
ou da interdependência.
h) Na
cláusula da alínea h) exige-se apenas a
fiscalização constitucionalidade por acção mas não necessariamente
preventiva e sucessiva, abstracta e concreta ou por omissão, mas esta apenas de
normas legislativas.
i) A garantia da independência dos juízes
abrange
somente a intocabilidade da expressão constitucional do próprio princípio, as
suas implicações directas no estatuto de independência dos juízes.
j) A
cláusula prevista na alínea j) tem por limite superior a unidade do Estado,
impede a diminuição da autonomia dos
órgãos da governação descentralizada provincial, distrital e das autarquias
locais no sentido de transformar aquela administração mediata do Estado e
de reduzir a segunda a mera autonomia administrativa, mas não impede o seu
alargamento.
k) Normas que regem a nacionalidade não
podendo ser alteradas para restringir ou retirar direitos de cidadania:
no sentido de que as normas que garantem a nacionalidade são normas pessoais,
sendo que estas acompanham o cidadão onde quer que esteja, de tal modo que o
poder de revisão não pode alterar as normas que reem a nacionalidade abrindo
espaço para que se restrinjam os direitos derivados da nacionalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANOTILHO,
J.J. Gomes. Constituição Da Republica Portuguesa
Anotada. 3ª ed. Revista, Coimbra: Coimbra, 1993.
GOUVEIA,
Jorge Bacelar. Manual de Direito
Constitucional, introdução, Parte Geral e Especial. Volume I, 5ª edição
revista, Coimbra: Almedina, 2015.
MOREIRA
Vital. Revisão e revisões: a Constituição
ainda é a mesma? In AAVV, os 20 anos da Constituição de 1976. Coimbra: Coimbra,
2000.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: Constituição e Inconstitucionalidade.
Tomo II, 3ª ed. Coimbra: Coimbra, 2005.
Legislação:
CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA DE 2004 (2004), alterada pela, pela Lei nº 1/2018 de 12 de Junho, Lei
da Revisão pontual da Constituição da República, publicada no Boletim da
República (BR), nº 115, I Série, 2º Suplemento, aos 12 de Junho de 2018.
CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE DE 1990 (1990), publicada no Boletim da República nº
44, I Série, aos 02 de Novembro de 1990.
CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE DE 1975 (1975), 1 Publicada no BR n.º 1, I
Série, aos 25 de Junho de 1975.
[1] BACELAR GOVEIA 2015 pg. 662
[2]
Os limites transcendentes são aqueles que se impõem à vontade do Estado
(ou, em termos democráticos, à vontade do povo) e provêm do Direito natural,
como valores éticos superiores, emanados de uma consciência colectiva.
[3] Os limites imanentes, os quais
decorrem da noção e do sentido do poder constituinte formal enquanto poder
estabelecido, identificado por certa origem e finalidade e que se manifesta sob
certas circunstâncias; são os limites ligados à configuração do Estado à luz do
poder constituinte material ou à própria identidade do estado do que cada
Constituição representa apenas um momento da sua marcha histórica.
[4] Os limites de primeiro grau são
aqueles que têm a ver com os princípios e os valores mais importantes consagrados
numa constituição.
[5] Segundo Vital Moreira (2000:207),
os limites do segundo grau são aqueles que não exprimem, de uma forma
declarativa, «limites intrínsecos decorrentes da salvaguarda da essência
identitária da Constituição» Vital Moreira, Revisão e revisões: a Constituição
ainda é a mesma? In AAVV, os 20 anos da Constituição de 1976, Coimbra Editora
2000, 207 p.
[6] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito
Constitucional: Constituição e Inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª ed. Coimbra:
Coimbra, 2005, 206p.
[7] No caso Moçambicano, o Conselho
Constitucional.
[8] Não faz sentido a exclusão de
apreciação das normas de Revisão Constitucional, em sede da Fiscalização
preventiva, pois se o Presidente da promulgar uma lei de revisão constitucional
inconstitucional, a ordem constitucional poderá estar com normas
constitucionais padecendo do vício da inconstitucionalidad
[9] O alcance desta norma deve ser
conjugado com o número 1 do artigo 162 da CRM, de tal forma que o Presidente da
República promulga leis;
[10] É uma Constituição caracterizada
pela vicissitude da Revolução que antecedeu à Constituição Portuguesa (1933)
que estabelecia um regime fascista que perdurou de 1933 a 1974. Esta
Constituição teve como traço identitário, a adopção de um modelo
marxista-leninista;
[11] Segundo o artigo 204.º da
Constituição de 1990
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